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sexta-feira, 10 de maio de 2013

O KALUNDU NO BRASIL (Parte II)




Os calundus conectavam não só o mundo dos homens com o dos ancestrais e espíritos da natureza, como o Brasil com a África. A palavra é quimbundo, língua falada por povos da região de Angola, e remete a um sentido de doença proveniente da intervenção de um ancestral na vida de um descendente seu (Mariana de Mello e Souza).



O africano escravizado no Brasil veio de diversas etnias do continente africano, em grande massa. Chegou ao Brasil a um processo de quatro grandes ciclos, o século XVI, o século XVII, o século XVIII e o inicio do século XIX.

No decorrer do primeiro século no Brasil, ate o fim do ciclo desse tráfico que duraram quatro séculos, chegaram escravos de diversas regiões da África negra. Aqui pisaram principalmente príncipes, princesas, sacerdotes, sacerdotisas e negros já escravizados de diversas etnias, aqui se uniram em objetividade de uma única realização, a liberdade.

Os negros criaram o Brasil, do inicio do comercio ao fim do trafico escravo, sendo hoje, continuo a manutenção da tradição afro-bantu, afro-nagô, afro-daoméana e afro-brasileira; essa ultima aqui criada com a diversidade cultural dos indígenas e dos europeus, pelos descendentes de africanos. Construíram ruas, pontes e igrejas, levantou uma arquitetura portuguesa; isso pode ser visível atualmente no século XXI nas cidades históricas.

Organizaram no Brasil, ou seja, transformaram o Brasil em uma cultura afro-brasileira. Essa organização se originou principalmente de um processo de trocas culturais entre os mais diversos e diferentes grupos éticos do continente africanos.  Muitos dos negros que eram inimigos em suas terras natais se viram em necessidade de unir força, esquecer as diferenças e brigarem em um único lado, o próprio, contra a escravidão e maus tratos dos colonizadores no Brasil.
Dessas uniões entre os africanos, precisamente os primeiros negros bantu, escravizados nesta terra junto a outros povos, estes os próprios habitantes desta terra (que os portugueses apelidaram como índios), nasceram entre os negros, mesmo sendo impossível de prolongar-se, a persistência do desejo de viver.  

Os portugueses ao desembarcarem no atual Brasil, perceberam que os nativos, descendentes dos primeiros habitantes a mais de 1.500 anos atrás, que aparentavam com os indianos por conta da sua cor de pele, cabelos e seus olhos puxados, os apelidaram de índios.

A história persiste viva no subconsciente das comunidades afro-brasileira, como se tivesse a sua presença meio turva, obstruindo a visão dos indivíduos de quebrarem as algemas do pré-conceito implantado pela colonização.

Muitos brasileiros no “novo mundo acidentado” crer em uma historia deturpada com relação às coerentes historias resgatada pela ciência arqueológica, antropológica e histórica.   

A verdadeira historia pode ser encontrada nos arquivos coloniais, de processos de crimes, de inventários, de registros paroquiais de batismo e casamento, entre muitos outros arquivos como; correspondências oficiais, poesias, narrativas de viagens, relatos dos missionários e administradores como outras, que  pode ser estudadas para compreender que a historia tem outra versão, uma versão coerente.   

Segundo Mariana de Mello e Souza, por meio dos registros feitos pelo tribunal da Inquisição, é possível, como foi possível por vários antropólogos, saber que no século XVIII eram feitos Calundu em torno de altares e lideres religiosos, que se utilizava de tambores, músicas, objetos variados e gestos cheios de significados ritualísticos. Mas de acordo com os estudos das pesquisas mais a fundo, do Antropólogo Luiz Mott, a presença do Calundu é datada desde o ano 1591.

O Calundu é a mais antiga pratica religiosa dos negros de origem Bantu, no Brasil. A data registrada pela Inquisição, e, revelada por Luiz Mott, em denuncia da pratica de feitiçaria de um negro, no Brasil, conhecido como Francisco Manicongo, nos revela que desde a chegada dos negros escravizados ao Brasil, se pratica suas tradições religiosas.

Segundo Luiz Mott, essa presença se deu de primeira descoberta, da atuação de um sacerdote “Quimbanda”, cuja escrita original na lingua Kimbundu é “Kimbanda”, na cidade de Salvador, Bahia. Esse Sacerdote é conhecido como Francisco Manicongo, cuja profissão religiosa como Kimbanda, é equivalente ao maior titulo de sacerdócio no Candomblé, conhecido como Tata ria Nkisi. 

Foi justamente no ano 1591, quando a primeira visita do Santo Oficia na Bahia, recebeu uma denuncia que o Francisco Manicongo, escravo de Antonio Pires, tinha fama de somitigo, e logo sendo pego com uma peça de pano cingido, da mesma forma como na terra do Kongo (Congo) são usadas por outros Kimbanda ou Nganga-ia-Kimbanda.  

Pelo nome do Kimbanda, “Francisco Manicongo”, podemos nitidamente saber de onde se origina, sendo a palavra “Manicongo” originaria do Reino do Kongo, muito utilizado como titulo de pessoas de grande importância, no Reino do Kongo, existente do século XIV ao XIX, com os governantes do Bakongo.

O termo “Manicongo”, de acordo com minha insistência nas pesquisas, me deparei com a seguinte explicação; Manicongo, cuja escrita correta é Mani Kongo, é uma corruptela da palavra “Mwene Kongo”, em Kikongo, cujo seu significado é “Senhor do Kongo”. O termo “wene” refere tanto ao reino quanto a cada uma das unidades territoriais que o integravam. Os senhores das wene eram chamados de “Mwene”, sendo que o Manicongo era o Mwene mais poderoso do reino, reconhecido como rei (ntinu) pelos portugueses, desde sua chegada em 1484.

O Manicongo residia na cidade, capital do reino, conhecida como Mbaza Kongo, de onde nomeava os governadores das províncias e recolhia os impostos apropriados.

Como explicito nos dois parágrafos acima sobre a origem e a importância da palavra “Manicongo”, podemos concluir convictos de coerência que essa palavra que compõe o nome de Francisco, retrata apenas a sua importância como Kimbanda, destacando principalmente a sua terra natal. Ou seja, um Kimbanda ou Nganga, ambos os Sacerdotes independentes do gênero, não ocupam postos de reis ou rainhas, apenas atua junto dos mesmos quando solicitados, em serviços de cura, proteção, até mesmo contra ataque aos inimigos. Mas, pra ter melhor convicção sobre o termo Manikongo e pra precaver as conclusões sobre a profissão do Kimbanda Francisco Manicongo, demos continuidade nas pesquisas.

Para melhor compreendermos sobre a palavra “MANICONGO”, fizemos uma longa pesquisa literária pra coerentemente validar a origem aqui exposta e tentar compreender a profissão do Francisco Manicongo.

De acordo com Patrício Batsikama (2010), a palavra MANICONGO não tem o mesmo significado que a palavra “REI” na Europa e introduzido no Reino do Kongo, como se pode encontra nos dicionários com o significado de: quem governa um reino. E, muito menos da mesma forma que os Missionários e Cronistas quando escreveram sobre o Reino do Kongo, classificando o Senhor de Mbanza Kongo como um REI-EUROPEU, ou seja, como CHEFE-DIVINO (2010: 106).

Patrício Batsikama (2010) nos informa que, os europeus fizeram a imagem do SENHOR DO KONGO com a imagem do REI-EUROPEU, baseando-se nas insígnias utilizadas pelo Mani Kongo, da pele de leopardo usado por eles, cujas cores brancas encontradas significam o direito a vida e a preta significa a morte, perante todo o seu reino, justificando assim, o Mani Kongo portador de um poder divino.

Ntinu e Ntotila são um termo que antecede o nome dos “Senhores de Mbanza Kongo”. Esses dois termos foram os únicos reservados aos Senhores de Mbanza Kongo. Mas os termos Mani e Mwene podem ser encontrados antecedendo o nome de aldeias, distrito, território ou província.

Seguindo esse mesmo autor, o termo REI e seus atributos significativos para os europeus, nada tem em comum próximo com o termo MANI, muito menos com NTOTILA, principalmente, nem tão pouco parecido com o significado dos termos NTINU ou MWENE.

“No pensamento dos Kongo, o Senhor de Mbânza-Kôngo é, antes de mais, um chefe, representante dos Ancestrais e eleito pelos Makôtas mais velhos. Portanto, perante o povo, ele tem estas responsabilidades” (Batsikama, 2010: 106, 107):

1)”MÂNI e NTÔTILA que indicam que este chefe é a pessoa indicada para resolver os problemas jurídicos, ou de outra natureza, dos cidadãos. Jan Van Wing escreve no seu livro Etudes Bakongo I que, até no século XIX, os Ambúndu vinham resolver os problemas jurídicas e/ou outras discussões em Mbãzi’a Nkânu, a capital do NTÔTIL’A KONGO;

2)MWÊNE que garante a economia. Kôngo foi um povo dependente dos produtos da sua terra. Cultivava o solo, incluindo as ovelhas” (Batsikama, 2010: 107).

Como se pode constar, a partícula MA de MANI ou NE de MWÊNE, ou mesmo o termo completo de MANI ou MWÊNE, que se encontra antecedendo os nomes de aldeia, distrito, território ou província, revela que o grau de autoridade do individuo antecede o seu local de atuação. Por exemplo: “Mani-Nsônso, Mwêne-Nsôyo, Mani-Mpânu, Muêne-Mbâmba, Mwêne-Nsûndi, Mani-Zômbo, etc. Porem, não implica que todos eles sejam Reis” (Batsikama, 2010: 107).

Segundo Patrício Batsikama,

“O grau de autoridade é também revelado no plano administrativo que ocupa a região. Por exemplo: Nsûndi é uma província, Mpûmbu um território dentro de Nsûndi, Mpângu uma aldeia dentro do território Mpûmbu. Ora, ao escrever, os Missionários e Cronistas – desconhecendo esses usos – qualificaram todos (que Mani Nsûndi, quer Mani Mpûmbu, quer Mani Mpângu, etc.), independentemente dos Reis de Nsûndi, Mpûmbu, de Mpângu, etc.” (2010: 107).

Com base nas pesquisas e centralização no termo MANICONGO, constatamos que mesmo que o Kimbanda Francisco Manicongo tenha sido batizado, ou sido apelidado com o nome de origem portuguesa, Francisco, o seu sobrenome revela a sua origem e função profissional. 

Mani tem o significado de chefe, cujo portador deste termo é a pessoa mais indicada para resolver os problemas jurídicos, ou de outra natureza, dos cidadãos do Kongo. Assim concluímos que Francisco Manicongo exercia a função de Kimbanda, resolvia os problemas espirituais, de saúde e se caso precisassem, os casos jurídicos, como a própria população Kongo classifica aqueles que carregam o termo MANI. O termo CONGO cuja grafia correta é KONGO, designa o seu local de origem, o Reino do Kongo.

Segundo Luiz Mott (2006: 13) no arquivo Nacional da Torre do Tombo de Lisboa, existe mais de quarenta mil processos da Inquisição Portuguesa, datado entre 1536 a 1821. Arquivos bem conservados entre outras preciosidades. Manuscritos que proporciona a reconstituição da etno-história luso-afro-brasileira.

Os arquivos, processos da Inquisição Portuguesa, são denuncias, sumários, confissões e processos relativos aos crimes do conhecimento do Santo Oficio, desvios da fé como; heresia, judaísmo, blasfêmia, pacto com o demônio, feitiçaria e desvios contra a moral como; sodomia, bigamia e solicitação para atos torpes feita pelo sacerdote no confessionário (Mott. 2006: 13).

De acordo com Luiz Mott, a presença de feiticeiros no Estado da Bahia, assim como em outros Estados do Brasil, como; Minas Gerais, Pernambuco, Paraíba, provavelmente em outros estados, como; Rio de Janeiro e Espírito Santo, foram encontrados nos arquivos da Inquisição Portuguesa, denuncias e depoimentos relativos a presença de feiticeiros e sacerdotes oriundos do Reino de Ndongo (antigo reino onde hoje é atual Angola) e do Reino do Kongo, atuando na Capitania da Bahia.

Registrado nesses arquivos, se encontra muitos feiticeiros e sacerdotes, como; o angolano Domingos Umbata, ex-cativo de um capitão de Porto Seguro, Bahia, que atuava como Kimbanda; os angolanos Manoel e João, escravos do Convento dos Capuchinos da Piedade, Salvador, Bahia; a angolana Luiza Pinta, alforriada, ex-escrava de Manuel Lopes de Barros em Sabará, Minas Gerais; o angolano Caetano que atuava como Kimbanda em Mariana, Minas Gerais; o angolano Damião, no Engenho de Camuratuba, aldeia de Jacoqua em Paraíba; o congolense Domingos, Engenho de Camuratuba, aldeia de Jacoqua em Paraíba; a angolana Barbara, Ipojuca, Engenho Coité em Pernambuco; o angolense Antonio, escravo de Luis Barbosa Lagares, de Paropeba em Minas Gerais;  a angolense Domingas, parteira e adivinhadora, em Nossa Senhora da Conceição dos Raposos, Sabará, Minas Gerais; o angolense Gonçalo, ex-escravo do Arraial de São Sebastião, em Nossa Senhora do Sumidouro, Minas Gerais; o angolense Antonio Angola de Lavras em Minas Gerais; o angolense Roque e Brígida, casada, em Itapecerica na Vila de Nossa Senhora Piedade de Pitangui em Minas Gerais; o angolense Francisco, escravo de Manoel Bernardes de Cristo, morador na Vila de São João Del Rei em Minas Gerais; o benguelense Francisco, de nação benguela, escravo de Ana Maria de Santa Rosa, residia na freguesia de Mariana, no Arraial de São Sebastião, em Minas Gerais; o angolense Domingos, escravo de Manoel Carvalho em Mariana, Minas Gerais; e, o congolense Antonio, morador de Mariana em Minas Gerais. 


Um grande abraço aos amigos!
Tata Kitalehoxi! 

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